O despacho hidrelétrico é definido pelo ONS, cujo modelo tem como objetivos principais o atendimento da carga e a minimização do custo total de operação do sistema. Os geradores hidrelétricos devem manter suas usinas disponíveis para serem despachadas pelo ONS e não têm poder de decisão sobre o nível de energia gerada. Dessa forma, o risco resultante desse modelo de operação centralizada é compartilhado apenas entre os geradores hidrelétricos por meio do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE).
No entanto, considerando a mudança da matriz energética, com maior participação das fontes renováveis (eólica, biomassa e solar) e de fatores que estão fora do controle dos geradores, tais como o despacho fora da ordem de mérito, a antecipação da Garantia Física de usinas estruturantes, a retração do consumo e a importação de energia de países vizinhos, os geradores hidrelétricos ficam expostos, de forma involuntária, a um risco muito superior ao previamente considerado em suas estratégias de contratação.
Assim, desde 2014, o MRE ganhou mais notoriedade no setor elétrico, quando o GSF passou a registrar, mês após mês, um número menor do que 1, isto é, a produção total das hidrelétricas do MRE ficou continuamente abaixo da soma das respectivas garantias físicas, que indica o nível de rebaixamento das garantias físicas das usinas hidrelétricas para efeito da contabilização na CCEE, gerando exposição dos geradores hidrelétricos ao mercado.
As liminares obtidas por agentes do setor elétrico limitaram ou neutralizaram o impacto do deslocamento hidrelétrico para algumas usinas pertencentes ao MRE. Em julho de 2015, foi deferida liminar pleiteada pela Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (APINE) para determinar à ANEEL abster-se de proceder ao ajuste do MRE em relação às associadas da APINE representadas na ação, caso houvesse geração total do MRE em montante inferior à garantia física desse mesmo conjunto.
Em 07 de fevereiro de 2018, a Companhia foi intimada de decisão de primeira instância que julgou improcedente a ação e, consequentemente, revogou os efeitos da liminar que protegia as empresas associadas da APINE dos efeitos do GSF no MRE. Em 14 de fevereiro de 2018, foram opostos embargos de declaração, os quais foram acolhidos para preservar os efeitos da liminar durante o período em que a mesma esteve válida, ou seja, de 01/07/2015 a 07/02/2018, até o julgamento definitivo, em 2ª instância. A ANEEL apelou da decisão de 1ª instância, buscando, por meio de pedido liminar, cancelar a decisão que manteve os efeitos da liminar em favor da APINE (no período de julho de 2015 a fevereiro de 2018). Em 30 de abril de 2018, o Tribunal negou o pedido da ANEEL.
A APINE, por sua vez, também apelou da decisão de 1ª instância, pleiteando, dentre outros pedidos, que os efeitos da liminar não se restringissem a 07 de fevereiro de 2018, mas sim até o julgamento final em 2ª instância. Em 07 de maio de 2018, o Tribunal acatou o pedido da APINE e, consequentemente, determinou que a CCEE fique impossibilitada de aplicar, mensalmente, os efeitos do GSF no MRE, aos integrantes da ação judicial. A ANEEL recorreu da decisão do Tribunal que estendeu os efeitos da liminar e, em 23 de outubro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão que deferiu parcialmente o pleito da ANEEL. Com essa decisão, foi mantida a liminar para o período compreendido entre julho de 2015 a fevereiro de 2018 e revogada a parcela da decisão que estendeu os efeitos da estabilização da liminar para o período posterior à própria decisão (maio de 2018) e até trânsito em julgado da sentença.
Na prática, esta decisão permite que os valores de GSF em aberto correspondente ao período posterior a fevereiro de 2018 possam ser liquidados pela CCEE, que é o cenário que a Companhia se encontra hoje. Com relação ao mérito da discussão, atualmente, aguarda-se o julgamento das apelações interpostas pela ANEEL e APINE.
Em 19 de fevereiro de 2019, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgará um recurso apresentado pela ANEEL.
Paralelamente, em prol da solução para a problemática supracitada, houve o Projeto de Lei (PL) nº 10.332, que versou sobre a repactuação do GSF e considerou o ressarcimento dos riscos não hidrológicos aos geradores que participam do MRE por meio de compensações com extensão das concessões e Encargos de Serviços do Sistema (ESS).
São três os principais riscos que estão previstos para serem ressarcidos aos geradores: despacho fora da ordem de mérito (GFOM), atraso/restrição de transmissão do escoamento da energia dos projetos estruturantes (Santo Antônio, Jirau e Belo Monte) e motorização acelerada da entrada em operação comercial das máquinas destes projetos estruturantes, que aumentou a garantia física dos mesmos sem a correspondente geração de energia. Os efeitos do GSF da GFOM deverão ser ressarcidos de forma retroativa a 2013 e os demais riscos ao início dos respectivos efeitos (2012 ou posterior).
Após aprovação na Câmara dos Deputados, o texto da Lei do referido PL foi encaminhado para aprovação do Senado Federal (PL nº 10.332, convertido em Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 77), porém em outubro de 2018 o texto não foi aprovado pelo Senado Federal e por consequência o PLC foi rejeitado. Assim, a questão do risco hidrológico passou a ser discutida no âmbito do PL nº 10.985, aprovado pelo Senado e submetido, em novembro de 2018, à apreciação da Câmara dos Deputados, que, em 29 de junho de 2019, votou favoravelmente ao projeto. Em relação ao texto apresentado pelo Senado, foi feita apenas uma alteração referente à outras demandas e não houve alterações relativas às propostas do GSF. Assim, a matéria retornou ao Senado Federal antes de ser sancionada, cabendo apenas a aceitação ou não da alteração feita.
Até o momento, a ANEEL não apresentou nenhuma proposta que contemple os valores do passado, mas se compromete a tratar do deslocamento hidrelétrico provocado pela geração térmica fora da ordem de mérito, e do deslocamento resultante da importação de energia elétrica, além da busca da neutralidade dos efeitos da antecipação de garantia física das usinas hidrelétricas estruturantes e a adequada alocação de vertimentos turbináveis em usinas hidrelétricas.
O MME, a fim de subsidiar as discussões no Senado, apresentou a Nota Informativa nº27/2019/ASSEC contendo informações do montante financeiro envolvido na resolução da questão do risco hidrológico pela via judicial e do montante financeiro resultante da solução do risco hidrológico pela via legislativa com a aprovação do PL 10.985/2018, levando em conta os efeitos retroativos.
Modernização do setor elétrico